domingo, 20 de novembro de 2011

Fissão Nuclear: Do nascimento de Fermi ao lançamento da bomba nuclear.

No atual momento histórico um dos temas mais discutidos pela sociedade moderna é a crise energética mundial. Algo que também foi bastante comentado no último ano foi o vazamento nuclear na usina de Fukushima no Japão, após um tsunami.

O cidadão comum, quando pensa em energia nuclear, é fácil relembrar da Bomba Atômica ou mesmo de acidentes nucleares, o difícil é saber de onde veio todo esse conhecimento, é justamente isso que vamos entender e a partir de agora entraremos na vida da figura mais marcante, Enrico Fermi.
 
O pai de Fermi, Sr. Alberto, nasceu em Bettola (Piacenza) em 1857. Ele entrou como empregado na companhia Ferroviário Alta Itália porque seu pai queria que ele vivesse do próprio trabalho. Em 1890 foi para Roma para trabalhar na companhia Mediterrânea. Em 1898 casou-se com Ida De Gattis, professora primária. Aposentou-se em 1921 como chefe de divisão da Ferrovia Estatal. Morreu em 1927.
 
A mãe, Ida De Gattis, nasceu em Bari em 1871, órfã, vivia com parentes em Milano. Descrita como uma mulher muito responsável e íntegra: sem negar afeto aos filhos esperava que estes retribuíssem os seus rígidos conceitos morais. Morre em 1924.

A irmã Maria nasceu em Roma, em 12 de abril de 1899. Ela era muito religiosa, diferente de seus pais que eram pensadores positivistas. O irmão Giulio nasceu em Roma em 10 de junho de 1900. Segundo Enrico Fermi, Giulio era muito mais inteligente que ele.

Enrico nasceu em Roma em 29 de setembro de 1901. Foi enviado a uma ama de leite até fevereiro de 1904. Isto pode ter influenciado o seu caracter. “Enrico era o mais tímido dos três irmãos. Quando eles iam a praia em Ladispoli, no trem Enrico não brincava jamais com outras crianças. Ele procurava sempre um lugar vazio próximo a janela, com um pedaço de giz e um pequeno quadro de escrever, se isolava sempre, não falava.
 
Enrico e o irmão Giulio construindo jogos mecânicos se defrontaram com os primeiros problemas de Física e buscaram soluções nos livros usados, comprados em Campo dei Fiori.
 
Em 1914, Enrico termina a escola fundamental. No próximo ano Giulio morre tragicamente durante uma intervenção cirúrgica banal. Sua morte deixa a família em uma atmosfera de luto alimentada pelo desespero da mãe, que tinha Giulio como filho predileto.
 
Enrico faz amizade com um colega da classe de seu irmão Giulio, Enrico Persico, e esta amizade duraria por toda a vida. Adolfo Amidei, colega e amigo do pai, que percebeu logo a genialidade de Enrico, transforma-se em um ponto de referência para os seus estudos, dele Enrico recebia os livros sobretudo de matemática, necessários para desenvolver o programa científico que ele tinha lhe aconselhado.
 
Enrico antecipa o exame de maturidade pulando o terceiro ano da escola média e decide fazer sua inscrição no concurso de Física. Orientado por Amidei, prepara-se para o concurso da Scuola Normale Superiore de Pisa. É 1918.
 
Durante as férias, escreve ao amigo Persico para dizer-lhe que tinha começado a estudar o tratado de física de Cholson (4450 páginas). Em menos de 1 mês escreve novamente ao amigo dizendo que tinha terminado.
 
No concurso de admissão para a Scuola Normale di Pisa, feito em Roma em novembro de 1918, obteve um resultado extraordinário. Os professores Pittorelli, Raffaele e Eredia, da comissão universitária dão a ele 10 nas provas orais de todas as matérias. Somente dois conseguiram ser aprovados, mesmo porque, devido a guerra, os jovens estudantes em condições de concorrer estavam em combate, ao contrário de Enrico Fermi que obteve dispensa do serviço militar.
 
Sua prova escrita de Física já é uma obra de arte. Foi sobre “Características do Som”. Após uma introdução de meia página, o candidato começou a tratar do exemplo de uma haste em vibração, com todos os detalhes possíveis. Formulou a equação diferencial da haste, achou seus autovalores e autofunções, desenvolveu seus movimentos segundo a análise de Fourrier, e assim por diante. Poucos candidatos de PhD na época desenvolveram o ítem com tal nível de sofisticação, escrevendo diretamente e sem auxílio de nenhum livro. Além do mais, sem nenhum erro.
 
Fermi, logo após a graduação, foi premiado com uma bolsa de estudo de aperfeiçoamento no exterior e vai para a Universidade de Göttingen, onde Born, Heisenberg e Jordan estão criando a nova mecânica Quântica.
 
Em 1924, por interesse de Volterra e Lorentz, ele vai para Leida, onde estava Ehrenfest, com uma bolsa da Fundação Rockfeller, e depois em Firenze, na universidade, com dupla função de ministrar Mecânica Racional e Física Matemática, renovado no ano sucessivo. Em Firenze, escreve em 1926 seu trabalho fundamental sobre estatística de partículas com spin, hoje chamado de fermions. Com Rasetti, que era assistente no Instituto de Física, faz pesquisa experimental sobre polarização da luz de mercúrio. Abre-se um concurso, pela primeira vez na Itália, para a cátedra de Física Teórica na Universidade de Roma. Fermi vence e começa a trabalhar em 1º de janeiro de 1927.
 
Em Roma, ao redor de Fermi é criado o grupo da rua Parnisperna: fazem parte Rasetti, Amaldi, Segrè e Majorana, e mais tarde, o jovem pisano, Bruno Pontecorvo. No período de 1923 a 1931, Fermi publica 53 trabalhos teóricos, dos quais um junto com Pontremoli e um outro com Persico; enquanto as publicações de caráter experimental somente seis, todas com Rasetti.
 
Em 19 de julho de 1928, casa-se com Laura Capon, de família israelita não praticante. O matrimônio ocorre no Campdoglio, sede do governador, somente com a cerimônia civil. Desta união nascem Nella, em 1931, e Giulio, em 1936.
 
Fermi foi convidado a participar de conferências internacionais: em junho de 1928 ele foi a Lipsia; em abril de 1929 em Paris, onde proferiu três conferências sobre mecânica quântica, e em Zurich na Politécnica Federal; em 1933, três conferências em Bucarest. Pela primeira vez foi para o Estados Unidos convidado pela Universidade de Michigan para ministrar um curso de teoria quântica de fenômenos eletromagnéticos. Em 1931, proferiu conferências em Amburgo, Paris, Leida e Groninga.
 
A notoriedade internacional de Fermi foi confirmada pelo sucesso do congresso de Física Nuclear ocorrida em Roma em outubro de 1931. Participaram deste congresso importantes físicos do mundo: Millikan, Sterna, Debye, Compton, Bohr, Curie, Sommerfeld, Heisenberg, Brillouin, Ehrenfest, Wataghin e, juntamente com Fermi, os italianos Marconi, Corbino, Garbasso, Persico, Rasetti e Vallauri.
 
Naquela época as universidades americanas tinham muitos laboratórios modernos e muito mais recursos para a pesquisa do que as universidades italianas. É também por isso que em 1933 e 1935 Fermi retorna a Ann Arbor para ensinar na Universidade de Michigan. Sua viagem a América do Sul (em 1934), onde ele profere conferências nas universidades de Buenos Aires, Cordoba e São Paulo, foi um agradável descanso. Na viagem de retorno encontra Ottorino Respighi com quem ele conversa sobre música, apesar do seu pouco interesse pelo assunto. Os dois se conheciam desde 1929 quando eram membros da Academia Real da Itália. A partir desta viagem eles passaram a ter um relacionamento amigável.
 
Em 1936, o Ministério do Exterior italiano oferece a Fermi a oportunidade de proferir conferências em Nova Iorque e em outros centros importantes dos Estados Unidos. Fermi faz um acordo com a Universidade de Columbia de Nova Iorque para dar um curso durante o verão do mesmo ano. Iniciou-se assim a cooperação com esta Universidade que torna-se definitivo em 1939.
 
Em junho de 1938 é divulgado o “Manifesto da Raça” (documento fascista defendendo a superioridade da raça italiana), discriminando cidadãos italianos de origem hebraica. Fermi, sendo casado com uma hebréia, pressente o perigo para sua família. Desta forma, decidiu escrever para várias universidades americanas colocando-se a disposição para ministrar cursos. O fato decisivo ocorreu em outubro durante o congresso de Copenhagen quando Bohr informou-o, confidencialmente, que ele tinha sido indicado para o prêmio Nobel. O Reitor da Universidade, ao comunicar o ministro da Educação Nacional, Sr. Bottai, sobre a viagem de Fermi ao exterior, informou que Fermi declarou pertencer a raça italiana e a religião católica, somente a mulher pertence, por nascimento, a raça hebraica.
 
Em 11 de novembro, o dia que foi divulgado oficialmente a noticia do prêmio, é também o dia em que o Conselho dos Ministros aprova o decreto lei sobre a defesa da raça. Os jornais publicaram com destaque na primeira página, dando grande ênfase a proibição de casamentos mistos e o desligamento dos hebreus da administração civil e militar do estado. Sob o choque do manifesto da raça em agosto de 1938 Fermi escreveu para quatro universidades americanas sobre sua transferência, obtendo cinco ofertas. Escolheu a Universidade Columbia de Nova Iorque, onde tinha estado em 1936 como professor visitante. Em 1937 esta instituição tinha renovado o convite que ele não pode aceitar devido as pesquisas que fazia no laboratório romano da rua Panisperna.
 
Na carta que escreveu da Bélgica, é de grande significado moral a preocupação de Fermi de transmitir para a Universidade de Columbia a lista dos nomes dos Físicos italianos que tinham perdido seu trabalho por motivo racial. De Nova Iorque Fermi tenta conservar o máximo tempo possível o seu lugar na Universidade de Roma, solicitando mais vezes licença para que o governo italiano não compreendesse que sua partida era definitiva. A sua intenção era não danificar o grupo da Rua Panisperna, já numericamente reduzido: Segrè, Pontecorvo (hebreus) e Rasetti tinham-se refugiados na América. Mas o comportamento dos jornais americanos não deixou dúvidas, tornando vã a sua intenção: de fato, o New York Herald Tribune, um dia após a sua chegada publica importante artigo anunciando a chegada do grande Físico italiano que tinha deixado o próprio país devido à política racista do regime fascista.
 
Chegando a Nova Iorque Fermi foi informado que Hahn e Strassmann na Alemanha tinham obtido a cisão do Urânio e imediatamente intuiu que eventuais neutrons, produzidos na reação, poderiam desencadear outras fissões e iniciar um mecanismo em cadeia. Na universidade de Columbia, independentemente, tanto Fermi, como Szilard fazem experimentos para verificar se na fissão são produzidos mais neutrons.

Leo Szilard, o grande cientista hungaro, é o primeiro a perceber o uso militar da energia nuclear, a falar de bomba atômica e incentivar os colegas físicos a não publicar os resultados das pesquisas para não favorecer os nazistas.
 
Fermi e Szilard procuram Einstein em Princeton no verão de 1939 e solicitam a sua intervenção junto ao presidente Roosevelt para indicar-lhe a possibilidade da construção de uma bomba que utiliza a desintegração do Urânio. Nasce o projeto Manhattan, no qual Fermi trabalha nos dois anos sucessivos. Fermi decide usar o Urânio natural, mesmo sabendo que o responsável pela fissão do Urânio é o isótopo 235, muito raro e de difícil separação do urânio mais abundante (238). A sua solução é simples e difícil ao mesmo tempo: aumentar a eficiência do processo com a diminuição dos neutrons produzidos através de grafite puríssimo. Assim cria a pilha atômica e em 2 de dezembro de 1942 nasce a era da energia nuclear.
 
Em 1942 a equipe do Projeto Manhattan já conseguia produzir uma reação atômica em cadeia e foram mais 3 anos de pesquisas e testes até a bomba atômica ficar pronta. A bomba atômica é uma arma cuja energia liberada tem o poder de destruir uma cidade. Neste tipo de bomba os núcleos dos átomos de urânio ou plutônio são bombardeados por nêutrons, separando os átomos em outros dois de menor massa. Nesse processo de fissão nuclear libera outros nêutrons que irão bombardear outros núcleos desencadeando uma
reação em cadeia. A energia liberada neste processo é imensamente grande.
 
Em 6 de agosto de 1945 caiu a primeira bomba atômica em Hiroshima e três dias depois a segunda bomba atômica em Nagasaki. Foram quase 200 mil mortos nestes que foram os piores e mais cruéis ataques de todos os tempos.
 
Em 28 de novembro de 1954, morre em Chicago, EUA, Enrico Fermi, vítima de câncer no estômago, mas com uma serenidade socrática e uma força de caráter sobre-humana. Quando seu colega e biógrafo Emilio Segrè, o visitou no hospital, Fermi estava medindo um fluxo de líquido do tubo intravenoso, contando as gotas de fluído e medindo o tempo com um cronômetro. “Assim desapareceu o último físico que dominou toda a área da teoria e da experiência. Não acredito que, com o aumento da especialização, cheguemos a ter uma eminência universal comparável a Fermi” disse Sagrè.

Referências Bibliográficas:

(1) SEGRÈ, Emilio. Dos Raios X aos Quarcks. Tradução de Wamberto H. Ferreira. Brasília,
Editora Universidade de Brasília, 1987.
(2) CAFARELLI, Robeto Vergara. Enrico Fermi – Imagens e Documentos. Tradução de
Daniel Pereira, Paginação de Irene Tarantino.
(3) FONTENELE, André Nogueira. A Bomba Atômica Nazista.
(4) http://www.aip.org/history/acap/biographies/bio.jsp?fermie
(5) http://mortenahistoria.blogspot.com/2011/07/morte-de-enrico-fermi.html
(6) http://nautilus.fis.uc.pt/st2.5/scenes-p/biog/b0043.html
(7) http://www.infopedia.pt/$enrico-fermi